Nathália Gabriela Pereira Goulart¹, Ana Carolina Jeronimo de Oliveira², Talita Caroline Miranda³
Os deslizamentos no período chuvoso são as mais comuns ocorrências de movimento de massa no Brasil. De forma semelhante ao restante do país, o município de Belo Horizonte – MG registra um alto número de acidentes, potencializados pelo recorde histórico de chuvas nos últimos 5 anos. Este trabalho tem por objetivo principal apresentar a influência da pluviometria na estabilidade de taludes e encostas por meio do estudo de caso de um talude com histórico de deslizamentos relacionados ao período chuvoso. Foram realizadas análises de estabilidade para verificar a influência da parcela de sucção no fator de segurança, as quais apresentaram F.S. de 1,030, sem a parcela de sucção, e 1,475, com a parcela de sucção. Também foram realizadas análises de estabilidade para se obter a variação do fator de segurança ao longo do período analisado, considerando chuvas pontuais e chuvas de longa duração e foi constatado que as chuvas de longa duração tem maior impacto na instabilização de taludes.
Landslides in the rainy season are the most common occurrences of mass movement in Brazil. Similar to the rest of the country, the city of Belo Horizonte – MG registers a high number of accidents, boosted by the historical record of rainfall in the last 5 years. The main objective of this work is to present the influence of rainfall on the stability of slopes through the case study of a slope with a history of landslides related to the rainy season. Stability analyzes were performed to verify the influence of the suction portion on the safety factor, which showed F.S. of 1.030, without the suction portion, and 1.475, with the suction portion. Stability analyzes were also carried out to obtain the variation of the safety factor over the analyzed period, considering occasional rains and long-term rains, and it was found that long-term rains have a greater impact on slope instability.
As chuvas são reconhecidas como um dos principais agentes causadores de movimentos de massa, principalmente em regiões de clima tropical. A cada período chuvoso em Belo Horizonte são registrados, em média, 400 movimentos de massa (Parizzi et al., 2010) causando inúmeros prejuízos econômicos e perda de vidas humanas.
Tendo esse fato em vista, diversos pesquisadores elaboraram correlações entre a infiltração da precipitação e a ocorrência de movimentos de massa que, em geral, representam apenas a região na qual o estudo foi desenvolvido. No Brasil, Guidicini e Iwasa (1976) foram os primeiros autores a correlacionarem processos de movimentos de massa a índices pluviométricos, outros estudos como Tatizana et al. (1987) analisaram a estabilidade com chuvas acumuladas, determinando o período de chuva contínua mais efetivo na deflagração de movimentos de massa em suas respectivas regiões.
Há outros trabalhos tanto em infiltração quanto em análise de estabilidade de taludes urbanos, com metodologia semelhante a usada neste trabalho, como Teixeira (2014) e Lourenço (2017). O objetivo do trabalho é apresentar a influência da pluviometria na estabilidade de taludes e encostas, a partir do estudo de caso de um talude com histórico de deslizamentos em Belo Horizonte.
O presente trabalho é organizado em caracterização da área de estudo, onde são apresentadas as características geométricas e geotécnicas do talude do estudo de caso; índices pluviométricos, com a definição do espaço de tempo analisado e apresentação dos dados pluviométricos do município; condições de contorno, com informações climáticas, de vegetação e curvas características dos materiais; e, por fim, as análises, resultados e conclusão.
O modelo geológico-geotécnico do estudo de caso foi elaborado a partir da topografia e sondagens SPT do talude estudado. A análise da pluviometria de Belo Horizonte foi realizada a partir da seleção dos eventos críticos nos últimos 5 anos.
As análises de estabilidade foram realizadas nos softwares SLOPE/W e SEEP/W, da GeoStudio versão 2020, pela possibilidade de analisar a infiltração da chuva durante o tempo. Foram realizadas simulações comparativas considerando a presença e ausência da parcela relativa à sucção, simulações considerando a infiltração de chuvas de longos períodos, ou seja, que ocorrem de forma gradual, e de chuvas pontuais. A partir dessas simulações foi determinado o comportamento do fator de segurança, observando-se sua variação ao longo do período analisado.
O talude está localizado na Rua Júlio Soares Santana, região da Pampulha do município de Belo Horizonte, e é monitorado pela prefeitura pelo histórico de deslizamento. Para a caracterização da área de estudo, foram utilizadas sondagens SPT executadas na época chuvosa. A seção geológico-geotécnica foi elaborada a partir do posicionamento dos furos de sondagem, apresentados em planta na Figura 1.
Os parâmetros geotécnicos para os materiais apresentados na seção foram definidos através de correlações empíricas com SPT propostas por Godoy (1972), Teixeira (1996) e Stroud (1989). As formulações utilizadas para obtenção dos valores de coesão e âgulo de atrito são apresentadas nas equações (1) e (2).
? = 15 + √(20 ∗ ????) (1)
? = 5 ∗ ???? (2)
As análises de estabilidade foram realizadas considerando um cenário de carregamento drenado, desta forma, os parâmetros de resistência ao cisalhamento foram adotados em termos de tensões efetivas, com exceção da argila silto arenosa mole, que foi caracterizada a partir de parâmetros não drenados. A seção resultante da interpretação das sondagens é apresentada na Figura 2 e os parâmetros adotados, na Tabela 1.
No município de Belo Horizonte, os registros de precipitações pluviométricas são datados só a partir de 2001, quando foi implantada a Coordenadoria Municipal de Defesa Civil. As precipitações médias mensais, entre os anos de 2016 e 2021, indicam um período chuvoso concentrado nos meses de novembro a março, com médias mensais superiores a 150 mm, como apresentado na Figura 3.
Os dados foram obtidos no site do Instituto Nacional de Meteorologia – INMET, e as precipitações nos meses de maio de 2020, novembro de 2020 e maio de 2021 foram consideradas nulas (0 mm) pois não foram obtidos os dados. As médias mensais foram utilizadas para elaborar a análise considerando a infiltração de chuvas de longos períodos, isto é, precipitações contínuas. Devido ao longo período analisado, foi considerado que os dois meses sem dados não influenciariam significativamente no fator de segurança encontrado na análise.
Para as análises das chuvas pontuais foi considerado o mês de pluviometria crítica, janeiro de 2020 que apresentou um acumulado de 934,7 mm, apresentado na Figura 4.
De posse da seção resultante, com o programa SEEP/W definiu-se as condições de contorno climáticas, de vegetação e as curvas características de sucção e de permeabilidade para cada material. Para os parâmetros vegetais, utilizados para avaliar os efeitos da vegetação na infiltração de água nos solos, e os parâmetros climáticos como temperatura, umidade relativa do ar e velocidade do vento, utilizou-se os valores padrões do sofwtare SEEP/W, devido a ausência de dados sobre estas variáveis na região de estudo. Os dados de precipitação foram obtidos no banco de dados do INMET.
A sucção, segundo Marinho (1997) representa a pressão isotrópica da água interticial, fruto de condições físico-químicas que faz com que o sistema água-solo absorva ou perca água dependendo das condições de contorno, aumentando ou reduzindo o grau de saturação. A curva característica de sucção define a relação entre o conteúdo de umidade e a sucção para determinado solo. Para este trabalho, foram utilizadas como referência as 3 curvas características de sução, propostas por Fredlund e Xing, para solos arenosos, siltosos e argilosos apresentadas na Figura 5. Isto se deu devido a ausência de ensaios de laboratório para os materiais da área de estudo, sendo possível apenas uma correlação entre a classificação do material identificado nas sondagens e a curva de sucção característica correspondente (para solo arenoso, siltoso ou argiloso). Apesar da simplificação e generalização das curvas utilizadas para os materiais, entende-se que possa ser utilizada em estudos conceituais.
Com a utilização do software SEEP/W, o efeito da sucção no talude foi considerado apenas na poropressão final de cada material, dessa forma, os parâmetros efetivos de resistência ao cisalhamento não foram alterados para essa análise.
A análise de estabilidade foi realizada com auxílio dos programas da GeoStudio versão 2020, SEEP/W, para avaliação do efeito da infiltração de água no talude, e SLOPE/W, para descrever a variação do fator de segurança do talude ao longo dos períodos analisados.
Inicialmente realizou-se análise de estabilidade comparativa da seção para a avaliação da influência da parcela de sucção na estabilidade do talude. Foram considerados dois cenários: com sucção e sem sucção. Em seguida, foram realizadas as análises de estabilidade considerando os efeitos da infiltração da chuva ao longo do tempo, considerando a sucção, em duas etapas. Na primeira etapa, inseriu-se os dados de precipitação no programa SEEP/W e obteve-se os valores de sucção em todos os pontos do talude.
Na segunda etapa, estes valores de sucções foram importados para o programa SLOPE/W, onde se calculou os fatores de segurança mínimos através do método de Morgenstern-Price. Utilizou-se esse método por ser considerado um método de análise rigoroso, pois satisfaz todas as condições de equilíbrio, tanto as de forças quanto as de momento.
As análises de estabilidade para as chuvas de longa duração foram realizadas comparando as precipitações ocorridas entre 2016 e 2021, pois foi um período com eventos críticos relacionados à precipitação. As análises de estabilidade para as chuvas pontuais foram realizadas utilizando-se as chuvas diárias ocorridas em janeiro de 2020, pois foi o mês marcado por uma chuva histórica em Belo Horizonte.
Para a análise para a avaliação da influência da sucção na análise de estabilidade foram utilizados os parâmetros de resistência ao cisalhamento efetivos e a linha freática obtida a partir dos furos de sondagem, com a adoção do valor de sucção calculado pelo software, os resultados são apresentados nas Figuras 7 e 8. Nota-se a ocorrência da mesma superfície de ruptura, entretanto, com fatores de segurança de 1,475 considerando a sucção, e 1,030 desconsiderando essa parcela. O resultado obtido foi considerado satisfatório para o objetivo da análise, uma vez que demonstra influência da sucção na estabilidade do talude.
Ressalta-se que o valor de sucção foi calculado pelo software apenas para fins comparativos da influência desta parcela no F.S., não sendo verificada a veracidade destes valores para o caso de estudo analisado. Os valores de F.S. obtidos são apresentados na Tabela 1.
O fator de segurança obtido para o cenário considerando a sucção foi maior do que o F.S. sem esta parcela, pois a parcela negativa da poropressão atua como uma componente de força estabilizadora, favorecendo momentaneamente a estabilidade da estrutura.
As análises considerando chuvas de longa duração durante o período de 2016 a 2021 foram verificadas adotando-se parâmetros de resistência efetivos e a linha freática obtida pelos furos de sondagem. No software da Geostudio foram inseridos os dados de precipitação média mensal do período e, dado o grande esforço computacional exigido, as análises foram realizadas a cada 10 dias do período estudado. Devido ao grande período avaliado, superior a 1000 dias, considerou-se essa simplificação satisfatória. Os fatores de segurança obtidos para o período resultaram no gráfico apresentado na Figura 9.
Nota-se uma elevação do F.S. no período de abril a setembro e uma diminuição no período de outubro a março. Essa diminuição está associada a ocorrência de chuvas, e consequentemente a diminuição da parcela de sucção. O F.S. mais crítico em todo o período de análise foi de 0,99 em março de 2021, indicando a ocorrência de deslizamento. Observa-se a ocorrência de fatores de segurança baixos durante todo o período analisado, resultado esperado para o talude em questão devido a seu histórico.
As análises considerando as chuvas do período de janeiro de 2020 foram verificadas adotando-se parâmetros de resistência efetivos e a linha freática obtida pelos furos de sondagem, o resultado é apresentado na Figura 10.
No gráfico, observa-se que após a ocorrência da primeira chuva, o fator de segurança continua caindo constantemente, não variando de acordo com a quantidade de chuva ocorrida no dia, pois a permeabilidade dos materiais do talude limitam a infiltração e a variação da parcela da sucção devido às chuvas em eventos de curta duração.
Neste presente trabalho analisou-se a ocorrência de chuvas intensas e/ou de longa duração e a estabilidade de um talude no município de Belo Horizonte, os resultados demonstram a influência da pluviometria na estabilidade de taludes e encostas, o que reflete diretamente na ocorrência de acidentes. Como visto nos artigos Teixeira (2014) e Lourenço (2017), constatou-se que a parcela da sucção, ou poropressão negativa, tem grande influência na estabilidade de taludes e encostas.
As chuvas que ocorrem de forma gradual, tem uma capacidade maior de aumentar o teor em água do solo pois a baixa permeabilidade dos materiais do talude funcionam como uma barreira para o processo de perda de água, diminuindo o efeito da sucção e, consequentemente, reduzindo a resistência ao cisalhamento e o F.S em até 8,94%.
Para os resultados das simulações para as chuvas pontuais obteve-se uma menor queda nos F.S obtidos no intervalo de tempo observado, uma redução de 4,91%, pois a permeabilidade dos materiais presentes no talude limita a infiltração devido às chuvas em eventos curtos e, consequentemente, um menor impacto na resistência ao cisalhamento do solo.
Estes estudos podem possibilitar a previsão dos volumes de chuvas responsáveis pela instabilidade em taludes e encostas, e através do monitoramento da pluviometria, providenciar ações preventivas ou de caráter emergencial.
Fredlund, D.G.; Xing, A. (1994) Equations for the soil-water characteristic curve.In.: Canadian Geotechnical Journal, Ottawa, v. 31, p. 521–532.
Godoy, N.S. (1972). Fundações: Notas de Aula, Curso de Graduação. São Carlos (SP): Escola de Engenharia de São Carlos – USP.
Guidicini, G. e Iwasa, O. Y. (1976). Ensaio de Correlação entre Pluviosidade e Escorregamentos em Meio Tropical Úmido. Simpósio Landslides and Others Mass Movements. Praga: IAEG.
Lourenço, A.M., Motta, M.F.B, Bernardes, G.P. (2017). Estudo Do Efeito Da Infiltração No Fator De Segurança De Dois Escorregamentos Da Bacia Do Ribeirão Guaratinguetá, SP. XII Conferencia Brasileira sobre Estabilidade de Encostas, Florianópolis, Santa Catarina. Anais, ABMS.
Marinho, F. A. M. (1997) Medição De Sucção Em Solos. In: Simpósio Brasileiro De Solos Não Saturados, 3., Rio De Janeiro, 1997, Anais… Pp. 399- 416. Rio De Janeiro.
Parizzi, M. G.; Sebastião, C. S.; Viana, C. S. Pflueger, M. C.; Campos, L. C.; Cajazeiro, J. M. D; Tomich, R. S.; Guimarães, R. N.; Abreu, M. L.; Sobreira, F. G.; Reis, R. (2010). Correlações entre Chuvas e Movimentos de Massa no Município de Belo Horizonte, MG. Revista Geografias, Minas Gerais, v. 6, n. 2, p. 49-69.
Stroud, M. A. (1989). The standard penetration test – its application and interpretation. In:GEOTECH. CONF. ON PENETRATION TESTING IN THE UK, Birmingham.London:Thomas Telford.
Tatizana, C., Ogura, A. T., Cerri, L. E. S., Rocha, M. C. M. (1987). Análise de Correlação entre Chuvas e Escorregamentos – Serra do Mar, Município de Cubatão. V Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia,
Teixeira, A.H.; Godoy, N.S. (1996). Análise, projeto e execução de fundações rasas, in:HACHICH, W. et al. (ed.) Fundações: teoria e prática. São Paulo: Pini, Cap. 7, p. 227-264.
Teixeira, E.K.C.M. (2014) Estudo da Influência da Infiltração de Águas Pluviais na Estabilidade de um Talude de Solo Residual. Dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa.
¹Graduanda, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil
2Engenheira Civil, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil
³Professora, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil
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