XXV-SBRH0638

Reflexões sobre a Sustentabilidade Técnica e Econômica de Obras de Infraestrutura Hídrica: estudos de Caso do Canal do Sertão e da Viabilidade da Irrigação via PISF em Pernambuco

Fabiano Pereira e Ferreira¹, Ana Letícia Gaia da Rocha Almeida², Laíne Aparecida Silva³, Rodrigo Flecha Ferreira Alves⁴, Fabiana de Cerqueira Martins⁵, Henrique Pereira Barcelos⁶, Vitor Carvalho Queiroz⁷

Resumo

A engenharia hidráulica está presente na realidade das civilizações desde a descoberta e o domínio da agricultura. Dentro deste contexto, despontam os canais artificiais de transporte de água a partir de rios, que podem ser voltados à irrigação e/ou ao abastecimento humano. Isto posto, o presente trabalho apresenta dois estudos de caso no Baixo São Francisco, sendo um no Canal do Sertão Alagoano (já em operação) e outro no âmbito do Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias do Nordeste Setentrional (PISF) (em análise de pré-viabilidade). Com isso, objetivou-se explorar os desafios relacionados à gestão deste tipo de infraestrutura. Os resultados mostraram que tanto a análise de pré-viabilidade quanto a modelagem da gestão são etapas fundamentais para uma implementação e operação sustentável das obras de infraestrutura hídrica, pois congregam aspectos internos e externos aos empreendimentos, a partir do estudo preliminar de investimentos necessários e possibilidades de remuneração com vistas a recuperá-lo. Além disso, na esfera gerencial, essas duas ferramentas permitem estruturar um arranjo institucional que confira facilidade e transparência à gestão, com definição clara dos atores envolvidos e de suas respectivas responsabilidades.

1. CONTEXTUALIZAÇÃO

A engenharia hidráulica está presente na realidade das civilizações desde que a humanidade abandonou sua característica nômade, com a descoberta e o domínio da agricultura, que tem a água como seu principal insumo. Inicialmente, os assentamentos se estabeleciam próximos a rios e a corpos d’água; todavia, a partir do entendimento dos ciclos climáticos e hidrológicos, o afastamento destes locais foi possibilitado por meio da construção de estruturas de transporte e armazenamento hídrico.

Segundo o IGAM (Minas Gerais, 2012), o termo engloba o conjunto de serviços, obras, planos, programas e projetos com objetivo de garantir o uso múltiplo dos recursos hídricos e a gestão de risco de eventos críticos, devido a condições climáticas extremas (secas e inundações) e a desastres naturais ou antrópicos.

Dentro deste contexto, despontam os canais artificiais de transporte de água a partir de rios, que podem ser voltados à irrigação – como o Projeto Especial Chavimochic, no Peru, e a Transposição Tejo-Segura, na Espanha – e/ou ao abastecimento humano – como o Canal de Navarra, na Espanha, e o Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias do Nordeste Setentrional (PISF), no Nordeste brasileiro.

Em se tratando especificamente do PISF, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico – ANA define o serviço de adução de água bruta como (ANA, 2017):

[…] serviço que abrange atividades necessárias à entrega de água bruta nos Pontos de Entrega, e inclui captação, operacionalização e manutenção da infraestrutura do PISF; atividades de inspeções aéreas e terrestres; monitoramento quali-quantitativo; identificação de usuários irregulares; disponibilização, fornecimento e controle do acesso às águas do projeto; medição do consumo, faturamento, cobrança e arrecadação de valores referentes às tarifas e eventuais receitas adicionais.

No uso de suas atribuições, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco publicou um chamamento público visando avaliar a viabilidade de irrigação a partir do PISF no estado de Pernambuco. A Agência de Bacia Hidrográfica Peixe Vivo – Agência Peixe Vivo adjudicou então à empresa HIDROBR Consultoria Ltda. a elaboração do projeto.

Anteriormente, a APV adjudicara à HIDROBR também a elaboração de uma proposta de modelo de gestão do Canal Adutor do Sertão Alagoano, uma intervenção com objetivo aumentar a disponibilidade hídrica para consumo humano e para irrigação no agreste e no sertão de Alagoas.

Isto posto, o presente trabalho objetiva apresentar ambos os estudos de caso, no intuito de explorar os desafios relacionados à gestão e implementação deste tipo de infraestrutura.

2. ESTUDO DE CASO: CANAL ADUTOR DO SERTÃO ALAGOANO

2.1 Objetivos do Canal

O Canal Adutor do Sertão Alagoano tem início no extremo oeste do estado de Alagoas, na região do Sertão, no município de Delmiro Gouveia (próximo às divisas com os estados da Bahia e de Pernambuco), e final planejado na divisa entre os municípios de Craíbas e Arapiraca, no Agreste Alagoano. No total, tem-se uma extensão de 250 km, sendo que a Fase 1 corresponde a 5 trechos que totalizam 150 km, e a Fase 2 corresponde aos 100 km finais (ainda sem divisão em Trechos). A Tabela 1 apresenta a situação de execução dos trechos do Canal Adutor do Sertão Alagoano.

O Canal Adutor do Sertão Alagoano inicia-se em uma estrutura de tomada d’água, associada a uma estação elevatória de água bruta (EEAB), implantada em um dos braços do reservatório de Moxotó, junto à localidade de Valha-me Deus, próxima à Usina Apolônio Sales. A vazão final de projeto será de 32,0 m³/s, com a EEAB projetada para estar equipada com um total de 12 (doze) conjuntos motobomba com capacidade nominal de bombeamento de 2,67 m³/s por unidade, mas, atualmente, funciona com apenas 1 (um) conjunto, que está funcionando abaixo do rendimento projetado.

Tabela 1 – Situação de execução dos trechos do Canal Adutor do Sertão Alagoano

Em 2015, o Governo do Estado de Alagoas publicou o Decreto Estadual nº 40.183, estabelecendo os objetivos do Canal Adutor do Sertão e delegando sua administração à Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos – SEMARH-AL, contemplando as obrigações de análise, autorização e cobrança pelo uso da sua água (neste caso, a cobrança corresponde à tarifação pela adução da água bruta).

O Decreto nº 40.183/2015 define que:

O Canal do Sertão tem por objetivo minimizar os efeitos da seca e promover o desenvolvimento socioeconômico das Regiões Semiárida e Subúmida Seca do Estado de Alagoas, permitindo a oferta de água para atendimento das comunidades ao longo do seu trecho, para as seguintes atividades:

        1. abastecer com água os núcleos urbanos e rurais ao longo do canal;
        2. propiciar a geração de renda e oferta de alimentos durante todo o ano, a fim de reverter o quadro de fome e subalimentação dessas regiões;
        3. remanejar as captações das adutoras coletivas existentes, diminuindo os custos operacionais para a companhia de abastecimento do Estado;
        4. abastecer com água os projetos de irrigação;
        5. desenvolver a piscicultura, criando condições para ofertar alimento de alto valor proteico a baixo custo à população sertaneja e do Estado;
        6. promover a reversão do cenário de vulnerabilidade completa no período de estiagem, proporcionando melhores condições para contínua produção agrícola na região abrangida; e
        7. abastecer carros-pipa para atendimento das necessidades das comunidades difusas ao longo do canal e nos municípios do sertão e agreste alagoano

Considerando a dimensão da infraestrutura hídrica, o número elevado de atores sociais envolvidos, a complexidade da operação e manutenção do Canal e os gargalos econômicos existentes, foi necessário elaborar um instrumento de planejamento para a gestão do sistema de infraestrutura hídrica. Em 2022 foi publicado um estudo de ‘Elaboração de proposta do Modelo de Gestão do Canal Adutor do Sertão Alagoano’8.

2.2 Obstáculos e dificuldades

Os estudos para elaboração da proposta do Modelo de Gestão seguiram as seguintes etapas:

  1. Planejamento estratégico das ações e definição das bases de trabalho
  2. Diagnóstico
  3. Cenários e Prognósticos
  4. Modelos de referência para gestão do Canal Adutor do Sertão Alagoano
  5. Plano de comunicação e mecanismos de controle social para a gestão
  6. Modelagem do Sistema de Gestão do Canal Adutor do Sertão Alagoano
  7. Manual de Operações do Plano de Ações para Implementação da Gestão – MOP

Na etapa de diagnóstico dos estudos para elaboração da proposta do Modelo de Gestão, reuniram-se informações de diversas fontes sobre o Canal Adutor do Sertão Alagoano, inclusive a partir de entrevistas realizadas com atores envolvidos no sistema, visando caracterizar o sistema nos âmbitos institucional, técnico e financeiro.

A análise das informações permitiu concluir que a articulação entre os atores envolvidos é deficitária e que as demais Secretarias Estaduais envolvidas na gestão e operação apresentam dificuldades para exercer suas atividades relacionadas ao Canal, principalmente pelas limitações de corpo técnico e escassez de recursos aliada à extensão da obra.

Na parte técnica, identificaram-se os principais usos de água proveniente do Canal, os componentes do custo atual de adução e fornecimento de água e a formatação atual da gestão, operação e manutenção do sistema. Dividindo-se as análises nos eixos de infraestrutura, operação e manutenção, institucional e econômico-financeiro, as principais fragilidades do modelo foram identificadas e são apresentadas na Tabela 2.

Tabela 2 – Síntese das fragilidades do modelo atual de gestão do Canal Adutor do Sertão Alagoano

2.3 Modelagem do Sistema de Gestão (Institucional e Econômico-Financeira)

A partir da análise das informações levantadas, foi possível elaborar a modelagem de gestão, dividindo-a em duas partes: a modelagem institucional, que definiu uma proposta de organização administrativa que envolve o Canal Adutor do Sertão Alagoano, e a modelagem econômico- financeira, que (partindo de premissas adotadas a partir das informações coletadas) calculou os montantes a serem arrecadados por meio de estrutura tarifária capaz de remunerar a prestação do serviço de adução de água bruta via sistema de infraestrutura hídrica.

Para o âmbito institucional, modelou-se a Companhia de Saneamento de Alagoas – CASAL como gestora do Canal. A escolha se deu por um conjunto de fatores: larga experiência no setor de saneamento, haja vista que a CASAL atua no abastecimento de água há sete décadas; responsabilidade pela produção de água tratada, no escopo da regionalização do estado de Alagoas; e quadro técnico compatível com a demanda, mesmo sem a criação de uma nova autarquia. Isto posto, a modelagem contemplou os eixos de administração, operação e manutenção e controle interno, buscando a definição clara das funções no âmbito da gestão.

Ademais, indicou-se a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Alagoas – ARSAL para realizar a regulação. A escolha baseou-se na estruturação da Agência, haja vista sua atuação na regulação há duas décadas; na existência de mecanismos consolidados de comunicação com o usuário (incluindo atendimento presencial em uma Ouvidoria do órgão em Santana do Ipanema – AL); fomento da participação e do controle social por meio de audiências públicas; e instrumentos regulatórios já desenvolvidos, postos na Resolução ARSAL nº 18/2016. Além disso, a Agência já regula a Companhia.

Houve preocupação com a gestão descentralizada e participativa, e, por isso, propôs-se a criação de um Comitê Estratégico, um Conselho Consultivo e um Fórum Anual de Participação Social, com vistas a apresentar mais mecanismos de participação e controle social.

Além disso, pensaram-se vários instrumentos de gestão para tornar a administração coesa e eficiente, retirando entraves à articulação entre os atores citados. Cada instrumento é responsabilidade de um ator e possui uma função de gestão ou regulação. Os instrumentos de gestão são o Planejamento Estratégico, o Plano Operativo Anual e o Plano de Gestão Anual. Entre os principais instrumentos regulatórios estão o Reajuste Tarifário, a Fiscalização Econômica, a Normatização Operacional, a Elaboração e Acompanhamento de Indicadores de Qualidade de Prestação do Serviço e as Multas e Penalizações. Cada instrumento foi detalhado no âmbito dos estudos para modelagem de gestão.

Para o aspecto econômico-financeiro, a análise se baseou no cálculo de uma Receita Requerida9 para Administração, Operação e Manutenção (AO&M) do Canal e na avaliação do mercado, obtendo- se, assim, uma tarifa média por volume de água fornecido. Levantaram-se os recursos necessários para cobrir os custos da prestação do serviço de adução de água bruta por meio da infraestrutura considerando-se o número de usuários e sua respectiva demanda de água bruta do Canal, adotado o horizonte de planejamento de 35 anos.

Levando em conta que o Canal ainda não está completamente construído e que o registro de usuários ainda está em andamento, além da existência de projetos consumidores de água que ainda não têm previsão de serem instalados, a estimativa de demanda e o balanço hídrico levaram em conta diversas premissas para realizar o estudo de projeção. De toda forma, tais premissas consideraram que as articulações entre as entidades envolvidas garantirão a instalação desses diversos projetos, tornando a região do Canal Adutor do Sertão Alagoano cada vez mais atrativa para atividades produtivas e consumidoras de água, algo que se reflete na tarifa média.

Assim, foi possível dimensionar os inúmeros aspectos intrínsecos à operação e à manutenção da infraestrutura, como a equipe necessária, a ativação das bombas no decorrer do horizonte de planejamento, os custos relativos à energia elétrica, os custos relativos à cobrança pelo uso de recursos hídricos (segundo a Lei Federal nº 9.433/1997), os investimentos onerosos, não onerosos e custos de capital e a inadimplência.

Para conferir versatilidade ao modelo econômico, projetaram-se cinco Situações diferentes (S1 a S5), nas quais variaram-se as demandas estimadas entre os valores mínimo e máximo calculados, com períodos diferenciados de aumento e/ou estabilização desta demanda. A título de exemplo, as Situações 3, 4 e 5 são variações que diminuem as demandas calculadas nas situações anteriores (S1 e S2), simulando, de forma conservadora, situações mais “pessimistas”, para avaliar a sensibilidade do modelo a reduções de demanda.

Os resultados foram satisfatórios, demonstrando, ao fim da modelagem, que o valor da tarifa média tende a ser relativamente baixo, mesmo seguindo cenários distintos e não necessariamente favoráveis.

3. ESTUDO DE CASO: ESTUDOS DE VIABILIDADE PARA IRRIGAÇÃO A PARTIR DO PISF EM PERNAMBUCO

3.1 Contextualização e escopo do trabalho

Na busca por alternativas de usos sustentáveis das águas do PISF em Pernambuco, justificou- se a elaboração do Estudo de Viabilidade Econômica para Irrigação a partir do PISF em Pernambuco para avaliação dos custos de implantação dos sistemas, operação, manutenção, compra da água e perdas, visando uma irrigação com sustentabilidade econômica a partir dos eixos Norte e Leste do Projeto de Integração do Rio São Francisco – PISF.

Justifica-se este estudo no fundamento da demanda social para utilização da água do PISF para irrigação e das necessidades de a Apac regular esses usos, na perspectiva de Agência de Águas e de Operadora Estadual do PISF em Pernambuco.

3.2 Estudo de pré-viabilidade técnica e econômica

O trabalho comparou três Cenários, no que se refere à origem dos recursos hídricos, visando a definir qual deles tornará mais viável a irrigação nas áreas potenciais, levantadas em outra etapa do estudo.

As soluções técnicas propostas em cada Cenário foram:

  1. Cenário 1: captação de água no PISF e lançamento direto no leito dos rios;
  2. Cenário 2: captação de água no PISF e distribuição por meio de adutora, por gravidade;
  3. Cenário 3: captação de água no rio São Francisco e distribuição por meio de adutora por recalque.

Uma vez definidos os Cenários e a partir do levantamento dos custos de cada um, via estimativas e dados secundários, foi possível modelar a remuneração da prestação do serviço de adução de água bruta, considerando um horizonte de planejamento de 30 anos, de forma a recuperar os custos de implementação da infraestrutura – para os cenários que preveem esta etapa – e de operação e manutenção do sistema.

Ainda foram analisadas as potencialidades e fragilidades em relação à operação de cada sistema, do ponto de vista técnico, as vantagens e desvantagens em relação à governança e à viabilidade econômica de cada Cenário. Em síntese, os resultados qualitativos da análise integrada são apresentados na Tabela 3 a seguir.

Tabela 3 – Síntese da análise integrada de cada Cenário

Considerando as informações disponíveis e as possibilidades para estruturação dos Cenários, pode-se considerar essa análise integrada como um estudo de pré-viabilidade econômica, visto que o nível de detalhamento dos dados não permite um aprofundamento a um nível de maior robustez matemática.

Isto significa que o produto funciona como um importante subsídio para uma tomada de decisão, e que, a partir dessa definição, uma nova análise deverá ser feita, visando realizar o “ajuste fino” dos valores. Ressalta-se que essa análise deve se amparar em levantamentos de dados primários e em ferramentas como, por exemplo, projetos básicos, orçamentos analíticos e estudos geográficos específicos da região em estudo.

4. DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

Considerando o estudo de caso do Canal Adutor do Sertão Alagoano, fica evidente a necessidade da etapa de planejamento e gestão para garantir o sucesso da operação de uma infraestrutura hídrica já implementada. O planejamento visa conferir um nível satisfatório de previsibilidade quanto às demandas do insumo, possibilitando as estimativas de custo que deverão ser contempladas na estrutura tarifária, com vistas a custear a operação e remunerar o serviço. Além disso, o cadastro dos usuários é imprescindível para a viabilidade da operação, pois consiste na base de pagantes, que justificará, enfim, o investimento feito na construção da infraestrutura hídrica, do ponto de vista econômico.

A situação atual do Canal Adutor do Sertão Alagoano evidencia a necessidade da gestão em relação aos aspectos citados, e tais fragilidades deflagram um efeito cascata: o cadastro de usuários ainda incipiente impossibilita a implantação imediata da cobrança via tarifa; contudo, o Canal já está em operação com usos significativos não tarifados, acarretando o prejuízo da operação, que, por sua vez, fica dependente da injeção de recursos a fundo perdido, que chegam com dificuldades burocráticas e em pequenos montantes, anulando a possibilidade de reinvestimento em gestão e melhoria da operação, culminando, na pior das hipóteses, na inviabilidade da operação e posterior sucateamento e/ou abandono da infraestrutura.

Essa situação demonstra que o modelo de gestão deveria ter sido elaborado na fase anterior à construção da infraestrutura, associada ao estudo de viabilidade técnica e econômica. Dessa forma, seria possível iniciar a operação com uma base de pagantes definida e uma estrutura tarifária que propiciasse a atração de novos usuários e a consolidação do funcionamento do sistema – mesmo que subsidiada em sua fase inicial –, em vez de modelar a gestão financeira a partir da necessidade de compensar o momento anterior de ausência de arrecadação.

Outro aspecto importante é o levantamento das possibilidades em relação à governança. Como foi visto no segundo estudo de caso, a análise de alternativas evidenciou que, ainda em fase de concepção, soluções à primeira vista mais vantajosas, do ponto de vista econômico, podem se mostrar custosas a médio e longo prazos, caso as relações entre os atores envolvidos não estejam claras e bem definidas juridicamente. O exemplo aqui é o Cenário 1 do estudo de viabilidade, que exibiu a necessidade de implementação, execução e gestão da cobrança pelo uso de recursos hídricos no estado de Pernambuco para viabilizar uma solução que não apresentaria custo inicial de implantação de infraestrutura.

A governança bem estruturada garante a segurança jurídica da operação do sistema, uma vez que estabelece (e registra) seus critérios de funcionamento, principalmente acerca dos vínculos entre os atores envolvidos. No caso do Canal Adutor do Sertão Alagoano, a entidade gestora possui uma outorga junto à ANA para utilizar água bruta do rio São Francisco, mediante o pagamento da cobrança estabelecida na Lei 9.433/1997, garantindo o principal insumo para sua operação. Para a APAC, a figura do “fornecedor” é da Operadora Federal do PISF, que garante a vazão para cada portal de entrega em seu instrumento de gestão “Plano de Gestão Anual – PGA”. O mesmo deve ocorrer na outra ponta; isto é, a operadora do sistema precisa ter permissão e capacidade para realizar a cobrança de tarifa pelo serviço prestado, sua estrutura tarifária bem definida, e contrato com os usuários que captam/recebem água proveniente da infraestrutura.

Nesse sentido, projetos de infraestrutura hídrica que tem como finalidade o fornecimento de água para a irrigação apresentam ainda mais uma particularidade: usuários dispersos e em grande número. A experiência do Canal Adutor do Sertão Alagoano mostra que a ausência dos “sistemas derivados” (como foram chamados os projetos de irrigação via perímetros e distritos) foi e ainda será uma dificuldade do ponto de vista comercial, uma vez que a operadora terá que cobrar, monitorar e fiscalizar, no presente momento, mais de 100 usuários, o que aumenta o custo transacional interno.

A identificação desse fator no estudo de caso de Pernambuco é de significativa importância para a viabilidade técnica do projeto, pois, uma vez que os perímetros/distritos de irrigação se estabeleçam paralelamente ao avanço do sistema de infraestrutura hídrica, o funcionamento comercial da operadora será simplificado e fortalecido. Isto porque, nestes moldes, reduz-se seu número de clientes e tem-se maior segurança no pagamento das tarifas.

No que tange a esse tema, aponta-se que, em ambos os casos, tem-se uma resistência populacional à ideia de pagar pelo uso da água. Em Pernambuco, isto foi constatado durante a etapa de cadastro associada ao trabalho de campo: ainda que não haja qualquer estruturação para cobrança junto aos usuários, o fato de a Apac ter conhecimento deles alarma-os para um possível pagamento futuro. No Canal do Sertão, a rejeição à ideia é ainda mais acentuada, haja vista que os usuários, atualmente, fazem uso da água sem pagamento algum e não possuem interesse em mudar esse cenário.

Dessa forma, fica nítida a necessidade da elaboração das etapas de análise de pré-viabilidade e do modelo de gestão para a concepção de um projeto de infraestrutura hídrica. A primeira, além de estimar preliminarmente os custos de implantação e possibilidades de retorno financeiro, identificará os atores envolvidos, as interfaces, e os trâmites jurídicos e burocráticos necessários, determinando qual será a melhor formatação para a governança do sistema. Então, é possível partir para elaboração de projeto básico, com o levantamento de dados primários.

Com isso, pode-se elaborar o modelo de gestão, tomando elementos da análise de pré- viabilidade para estruturar todos os critérios de gerenciamento, funções, responsabilidades, operação e remuneração. Por fim, quando o projeto executivo partir para a construção, o fomento aos potenciais usuários da infraestrutura hídrica também deve ser iniciado – sejam eles do setor de abastecimento ou agricultura –, de forma a consolidar a base de pagantes para que o sistema entre em operação sem prejuízos financeiros. Com essa base estabelecida, a estrutura tarifária pode ser desenvolvida, considerando a recuperação do investimento, se possível, e dos custos de operação e manutenção, a atração de novos usuários e a modicidade da tarifa.

Referências Bibliográficas

ALAGOAS, Secretaria de Irrigação. COHIDRO – CONSULTORIA, ESTUDOS E PROJETOS. Sertão Alagoano: pré-viabilidade do sistema integrado de aproveitamento dos recursos hídricos para o Sertão Alagoano: tomada d’água, estação elevatória de Moxotó, Canal Adutor do Sertão.

[S.l.]:             COHIDRO,            1991a.             73            p.:             il.             Disponível             em <http://sophia.codevasf.gov.br/index.asp?codigo_sophia=15110>. Acesso em: 7 jun. 2021.

ALAGOAS, Secretaria Extraordinária de Recursos Hídricos e Irrigação; COHIDRO – CONSULTORIA, ESTUDOS E PROJETOS. Projeto executivo do Canal Adutor do Sertão: 1996. ed.                     [S.l.]:                COHIDRO, 1996.                     4                  v.:         il.            Disponível                         em <http://sophia.codevasf.gov.br/index.asp?codigo_sophia=30703>. Acesso em: 2 jun. 2021.

ANA. Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico. Resolução Nº 2.333, de 27 de dezembro de 2017. Dispõe sobre as condições gerais de prestação do serviço de adução de água bruta pela Operadora Federal no âmbito do Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional – PISF. (Alterada pela Resolução nº 74, de 25 de setembro de 2019). Diário Oficial da União – Seção 1, Brasília – 29 dez. 2017, Página 31.

BRASIL. Lei nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989. Diário Oficial da União – Seção 1, Brasília – 09 jan. 1997, Página 470.

CBHSF. Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. HIDROBR Soluções Integradas. Elaboração de Proposta do Modelo de Gestão do Canal Adutor do Sertão Alagoano. Resumo Executivo.           Belo           Horizonte.           Junho           2022.           Disponível           em:           < https://siga.cbhsaofrancisco.org.br/sigasf/download/documento/222_d0741396-36d8-47cf-88e2- 20a74b0ae89b.pdf>. Acesso em: 4 maio 2023.

CODEVASF, Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba. CODEVASF; HYDROS; TECNOSOLO. Sertão Alagoano: estudo de viabilidade do aproveitamento integrado dos recursos hídricos do projeto Sertão Alagoano. Relatório final. Brasília: Codevasf, 2003.             7                       tomos      em                  14              volumes.   Disponível           em: <http://www.sophia.codevasf.gov.br/index.asp?codigo_sophia=30646>. Acesso em: 23 jul. 2021.

MINAS GERAIS. Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Instituto Mineiro de Gestão das Águas. Glossário de termos e expressões relacionados à gestão dos recursos hídricos e do meio ambiente. Instituto Mineiro de Gestão das Águas. 2ª edição – Belo Horizonte: Igam, 2012. 116 p.

¹fabiano.ferreira@hidrobr.com, ²ana.almeida@hidrobr.com, ³laine.silva@hidrobr.com, ⁴rodrigoflecha2021@gmail.com, ⁵fabiana.cerqueira@hidrobr.com, ⁶hpb.henrique@gmail.com, ⁷vitor.queiroz@hidrobr.com

 

⁸Em 2019, por meio de um acordo de cooperação celebrado entre o Governo de Alagoas, representado pela SEMARH-AL, o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco – CBHSF e da Agência Peixe Vivo, foi lançado, em 2020, o edital para contratação de empresa especializada para elaboração de proposta do Modelo de Gestão do Canal Adutor do Sertão Alagoano.

⁹A Receita Requerida (RR) é a soma dos Custos Fixos (CF), Custos Variáveis (CV), Custos Ambientais (CA), Despesas Administrativas (DA), Taxa de Administração (TA), Impostos (IM) e Depreciação (DEP). Os CF e CV são decompostos em demais itens específicos.