Natan Neves Lopes¹, Ana Carolina Jeronimo de Oliveira², Lucas Martins Machado³, Marko Rupert4
Este trabalho é desenvolvido a partir da boa prática de se monitorar barragens de terra a partir de instrumentos de auscultação e se estabelecer níveis de referência para cada instrumento com base no projeto técnico de cada estrutura. O documento que define e apresenta os níveis de segurança de cada instrumento é denominado “Carta de Risco” e históricamente vários estudos apresentam diferentes formas de elaboração. Nesse sentido, o trabalho reitera uma metodologia de definição dos níveis de segurança para uma barragem interna através da elaboração de análises de percolação sucessivas. Para tal, é simulada a colmatação da drenagem interna a partir da redução do coeficiente de permeabilidade da drenagem interna da estrutura. A partir da metodologia, é possível também a identificação do gradiente hidráulico na barragem, atentando-se à ocorrência de erosão interna em cada um dos cenários. Os resultados obtidos com a elaboração desse artigo são os níveis de segurança para cara instrumento a partir da metodologia aplicada.
This work is developed from the good practice of monitoring earth dams from auscultation instruments and the establishment of reference levels to each instrument based on the technical design of one single structure. Therefore, the document that defines and presents the safety levels of an instrument is called “Risk Letter”, and historically several studies show different kind of elaboration. Also, the work presents a methodology of defining the safety levels for an internal dam through the elaboration of successive seepage analyses. Thus, the clogging of the internal drainage is simulated by reducing the structure’s permeability coefficient of the internal drainage. So, based on this methodology, it can be possible to identify the hydraulic gradient in the dam as well, paying attention to the occurrence of internal erosion in each of the scenarios. As a result, the product acquired with the elaboration of this article is the security levels for each instrument from the applied methodology.
Em uma barragem de terra é importante que se tenham instrumentos de auscultação que forneçam informações a respeito do comportamento da estrutura perante ao fluxo interno da água através da barragem. Com a leitura e a interpretação dos dados coletados nos instrumentos, é possível inferir a linha freática no interior do barramento terroso e obter informações relacionadas à piezômetria. Essas análises são de suma importância para a determinação da estabilidade do barramento, sendo assim, Montes (2004) afirma que a causa majoritária de acidentes e rupturas de barragens é a falta de um sistema eficiente de controle de fluxo interno da água.
No contexto supracitado, para um bom monitoramento do nível de segurança de um barramento em aterro é recomendada a elaboração de uma carta de risco: documento que estabelece valores de controle determinísticos para as medidas de cada instrumento de modo que a leitura, ao ser inserida num banco de dados, indique nível de segurança da estrutura. Com a interpretação da carta de risco, sempre que uma nova leitura fosse inserida no banco de dados, é emitido um alerta automático para as equipes de segurança de barragens caso os limites pré-estabelecidos fossem atingidos (Fusaro, 2007), sendo possível acionar medidas emergenciais ou de reparação de danos rapidamente, logo diminuir os danos potenciais causados pelo barramento.
Na elaboração de uma carta de risco para uma barragem simulam-se situações de leituras de instrumentação que correspondem a coeficientes de segurança iguais a 1,5, 1,3 e 1,1. A estrutura com fator de segurança (F.S.) acima de 1,5 é considerada em nível normal de segurança, aquela com F.S. entre 1,5 e 1,3 em nível de atenção, entre 1,3 e 1,1 nível de alerta e abaixo de 1,1 define-se o nível de emergência. A elevação da linha freática, lida pelos instrumentos, altera o fator de segurança de maneira inversa, ou seja, a elevação da superfície freática faz com que o F.S. diminua. Sendo assim, nos estudos para a elaboração da carta de risco, conforme apresentado por Velten et. al (2016), a linha freática é alterada manualmente de acordo com critérios estabelecidos pelo engenheiro responsável. Sendo assim, as análises e interpretações dos níveis de segurança ficam sujeitos a incertezas que variam de acordo com os critérios e inferências adotados.
Como apontado por (Fusaro, 2007), uma das principais causas de rupturas de barragens de aterro é a erosão interna da fundação ou do corpo da barragem. Nesse contexto, Ribeiro e Espósito (2016) sugerem a elaboração da carta de risco considerando o “piping” como critério, estabelecendo níveis de atenção, alerta e emergência conforme a relação entre o gradiente hidráulico no corpo da barragem e o gradiente hidráulico crítico da mesma barragem. Conforme estudado pelas autoras, o nível de atenção ocorre com o gradiente hidráulico (i) igual a 0,30, alerta i = 0,50 e emergência quando i = 0,60.
Neste artigo, propõe-se e aplica-se uma metodologia de elaboração da carta de risco para barragens com drenagem interna, de forma a padronizar sua elaboração por evitar interpretações de cada autor; o método ainda permite a avaliação do gradiente hidráulico, identificando a necessidade ou possibilidade de se estabelecer como critério o “piping”. Para tal, realiza-se um estudo de caso com análises de percolação numa seção de uma barragem com dispositivos de drenagem interna em diferentes cenários de permeabilidade do filtro vertical e tapete drenante. Ou seja, reduz-se o coeficiente de permeabilidade do material drenante em diversos estágios, simulando um processo de colmatação, e a partir da análise de percolação obtém-se um lençol freático mais representativo e com maior probabilidade de ocorrência. O coeficiente de permeabilidade é reduzido e novas análises de percolação seguidas de análises de estabilidade são realizadas até que que se obtenha os fatores de segurança iguais a 1,5, 1,3 e 1,1.
O objetivo deste artigo é validar uma metodologia para o estabelecimento dos níveis de referência de instrumentação na elaboração da carta de risco de uma barragem com drenagem interna através da simulação de diferentes cenários de colmatação dos materiais da drenagem interna, fazendo com que os níveis de segurança sejam definidos a partir de diferentes comportamentos da linha freática no interior do maciço e identificando a possibilidade de ocorrência de erosão interna no corpo do barramento.
A metodologia a ser apresentada propõe que os critérios e inferências do engenheiro responsável não intervenham nos níveis de segurança da estrutura, pois estes serão definidos através se análises de percolação resultante em uma linha freática para cada condição de colmatação.
A metodologia para a elaboração da carta de risco é demonstrada através de um caso hipotético com todas as etapas de elaboração, partindo já de uma seção de estudo definida. Os coeficientes de permeabilidade adotados, simplificados para Kv=Kh inicialmente são apresentados na Tabela 1, e foram obtidos através de ensaios de permabilidade in situ. O modelo passou por calibração e a seção estudada é apresentada na Figura 1, juntamente aos parâmetros geotécnicos adotados, instrumentação analisada, e linha freática definida pela análise de percolação após a calibração do modelo.
Tabela 1 – Coeficientes de permeablididade inicialmente adotados nas análises de percolação
Figura 1: Seção adotada, com instrumentação a ser analisada e parâmetros de resistencia adotados (Slide2)
Essa seção é composta por quatro regiões características: Talude de montante, filtro vertical, tapete drenante e talude de jusante. O filtro vertical tipo chaminé, segundo Massad (2010), é responsável por interceptar o fluxo de água, impedindo-o de surgir no talude jusante ou ombreiras. Esse processo ocorre pois o material drenante possui um maior coeficiente de permeabilidade, por conseguinte é capaz de transportar a água com uma maior velocidade; sendo assim, cria um caminho preferencial para a vazão da água e impede a saturação do talude de jusante. Conforme o mesmo autor, os filtros verticais e tapetes drenantes são constituídos de materiais granulares e em conformidade com o “Critério de Filtro de Terzaghi”. O tapete drenante possui as mesmas características do filtro vertical, sendo assim, muitas vezes é nomeado como filtro horizontal.
A partir da definição da seção de estudo e dos parâmetros dos materiais, a metodologia proposta estabelece que sejam realizadas diferentes análises de percolação diminuindo gradativamente o coeficiente de permeabilidade dos materiais drenantes. Com isso, o filtro perde a capacidade de interceptar a linha d’água e transportar a água por um caminho preferêncial, por conseguinte ocorre a saturação próximo ao talude de jusante.
Após a definição da região saturada considerando o cenário de coeficiente de permeabilidade reduzido (colmatação), deve-se realizar análises de estabilidade no talude de jusante considerando a nova linha freática. Espera-se, com isso, que o fator de segurança global do talude de jusante obtido por uma análise de equilíbrio limite seja reduzido em relação ao cenário onde não se observa colmatação.
Para a elaboração da Carta de Risco, as permeabilidades dos materiais “Filtro” e “Tapete Drenante”foram alteradas, até a obtenção dos fatores de segurança estabelecidos (1,5, 1,3 e 1,1). As análises de percolação foram realizadas com o uso do software Slide2 da Rocscience, baseado no método dos elementos finitos.
Realizou-se as análises de percolação considerando a redução de permeabilidade apresentada na Tabela 2.
Cada análise de percolação supracitada resultou em uma linha freática para a seção de estudo, a partir delas são realizadas novas análises de estabilidade no mesmo software partindo da freática resultante devido a maior permeabilidade para a menor permeabilidade. Esse processo foi pausado quando se obtiveram F.S = 1,5; 1,3; e 1,1 (Método Bishop Simplificado).
A carta de risco é então definida para cada uma destas simulações, a partir da medição no Slide2 da carga total correspondente a cada instrumento locado na seção, obtendo assim, os níveis de referência da instrumentação correspondentes.
Os resultados das análises de estabilidade para a seção de estudo em cada cenário de colmatação supracitado são apresentados na Tabela 3.
Como exposto na Tabela 3, o F.S ≃ 1,5 é obtido para o cenário 2, F.S. ≃ 1,3 é obtido com o cenário 3 e o F.S ≃ 1,1 é obtido no cenário 4. Quanto aos gradientes hidráulicos, i = 0,6 foi encontrado no cenário 4 e i = 0,5 foi encontrado no cenário 3, todavia, não foi encontrado i = 0,30 proposto por Ribeiro e Esposito (2016). As análises de estabilidade e percolação são apresentadas nas figuras abaixo
Figura 2 – Cenário 1, com linhas equipotenciais em destaque.
Figura 3 – Cenário 1, com gradiente hidráulico em destaque.
Figura 4 – Cenário 2, com linhas equipotenciais em destaque.
Figura 5 – Cenário 2, com gradiente hidráulico em destaque.
Figura 6 – Cenário 3, com linhas equipotenciais em destaque.
Figura 7 – Cenário 3, com gradiente hidráulico em destaque.
Para cada um destes cenários, foi medida a carga total correspondente a cada instrumento locado na seção, obtendo-se os níveis de referencia correspondentes. Os níveis resultantes são apresentados na Tabela 4, na qual consiste a carta de risco obtida com a aplicação da metodologia proposta.
OBS: Os níveis de segurança estão em relação a leitura do instrumento em campo, com o PIO.
Neste artigo foi apresentado um estudo de caso no qual foi aplicado o método de simulação de colmatação da drenagem interna para a definição dos níveis de controle de uma carta de risco de uma barragem de terra. A partir de análises de percolação em cenários hipotéticos, foram definidas linhas freáticas na seção de estudo e foram realizadas análises de estabilidade. Por meio desse processo, a carta de risco foi criada a partir de parâmetros do solo.
A metodologia validada padroniza a elaboração da Carta de Risco, não ficando sujeita a premissas e inferências individuais adotadas por cada autor, como no caso do traçado manual da linha freática, Velten et. al (2016). Logo, os níveis de segurança foram definidos em função das características do material. Além disso, permitiu a avaliação proposta por Ribeiro e Espósito (2016) quanto ao risco de piping na estrutua, indicando o mesmo gradiente hidráulico proposto pelas autoras no cenário de emergência e alerta.
Ao final do método aqui exposto, a obtenção do nível de segurança de cada instrumento torna-se um importante instrumento de monitoramento dessas estruturas. Entretanto, a cada modificação de geometria ou atualização de materiais componentes, o documento deve ser recriado para um correto acompanhamento do funcionamento dos instrumentos. Outro ponto de atenção, indicado por Fusaro (2007), ocorre quando os instrumentos de uma mesma seção não se comportam em um mesmo nível de segurança, a metodologia aplicada não possibilita a identificação do nível de referência, sendo necessária a avaliação de um geotécnico.
Montes, C. C. (2004) Estudos piezométricos e análise de estabilidade de taludes da barragem bico da pedra.
Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) – Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, 120p.
Massad, F. (2010) Obras de terra: curso básico de geotecnia, 2 ed. Oficina de Textos, São Paulo, 216 p.
Velten, R. Z.; Santos, R. D. N.; Elian, L. H. R.; Ribeiro, L. L.; Dias, M. A. (2016) Proposição de Metodologia para a Elaboração de Carta de Risco de Barragens de Terra e Terra-Enrocamento. Belo Horizonte.
Fusaro, T. C. (2007) Estabelecimento estatístico de valores de controle para a instrumentação de barragens de terra: estudo de caso das barragens de emborcação e piau. Dissertação (Mestrado Profissional em Engenharia Geotécnica) – Núcleo de Geotecnia da Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto.
Ribeiro, S. M.; Espósito, T. (2016) Avaliação de Segurança de Barragens: Pioing como Critério para a Elaboração de Carta de Segurança. Belo Horizonte.
¹Estudante de Engenharia Civil, UFMG, Belo Horizonte, Brasil, natanneveslopes@ufmg.br; ²Engenheira Civil, HIDROBR Consultoria, Belo Horizonte, Brasil, ana.oliveira@hidrobr.com; ³Engenheiro Civil, HIDROBR Consultoria, Ipatinga, Brasil, lucas.machado@hidrobr.com; 4Engenheiro Civil, HIDROBR Consultoria, , Zagreb, Croácia, marko.rupert@hidrobr.com
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