Wesley Leonel de Souza1, Breno Rimulo2, Stella Braga de Andrade3 & Lorenzo Oliveira4
Este estudo aborda a definição do pior cenário de ruptura em barragens com vazões naturais de magnitudes similares a vazão máxima do hidrograma de ruptura, utilizando um estudo de caso específico, considerando a análise de maior impacto entre a área atingida indicada na Resolução Normativa ANEEL nº 1.064/2023. Essa característica de barramento é muito presente em Pequenas Centrais Hidrelétricas e Centrais Geradoras Hidrelétricas, quando a vazão máxima do hidrograma de ruptura possui magnitudes similares ou menores que as vazões de cheia do respectivo rio, aumentando a influência da escolha da condição hidrológica do rio nos resultados do estudo de ruptura. Foi constatado que, contrariamente à expectativa de que a cheia decamilenar produziria o pior cenário de ruptura, a cheia com Tempo de Retorno (TR) de 50 anos resultou no maior atingimento de casas, considerando sua extensão lateral e longitudinal. Simulações para TRs de 2, 5, 10, 50, 100 e 10000 anos revelaram que cheias as cheias de 2 a 10 anos tiveram maior extensão longitudinal, considerando o critério de parada de 1 pé (FEMA, 2013), mas não tiveram maior impacto quanto atingimentos laterais em relação ao TR de 50 anos. As cheias de 100 e 10000 anos não atingiram edificações adicionais quando comparada ao TR 50 anos, principalmente devido ao maior espalhamento da mancha que acarretou no critério de parada próximo ao barramento.
This study aims to define the worst-case scenario for dam breaches with natural flow rates like the maximum flow of the breach hydrograph, focusing on a specific case study and analyzing the most significant impact areas as outlined in Regulatory Resolution ANEEL No. 1.064/2023. This characteristic is common in Small Hydroelectric Plants, where the breach hydrograph’s maximum flow is comparable to or less than the flood flows of the river, highlighting the influence of river hydrology on rupture study outcomes. Contrary to expectations, the study found that a 50-year flood, rather than a ten-thousand-year flood, resulted in the most extensive impact on residential areas, considering both lateral and longitudinal extents. Simulations across return periods (TR) of 2, 5, 10, 50, 100, and 10,000 years showed that floods with TRs of 2 to 10 years had greater longitudinal extent based on the FEMA 2013 criterion of a 1-foot stop, but did not surpass the lateral impact of the 50- year TR flood. Floods with TRs of 100 and 10,000 years did not extend impact to additional buildings compared to the 50-year TR, largely due to the wider spread of flooding, which brought the stopping criterion closer to the dam.
As barragens de água são estruturas construídas para armazenar e controlar o fluxo de água, servindo a diversos propósitos, como por exemplo, geração de energia hidrelétrica. A segurança de barragens é um aspecto crítico que envolve a avaliação, monitoramento e manutenção contínua para prevenir falhas que podem causar danos significativos a vidas humanas, ao meio ambiente e ao patrimônio cultural. Medidas de segurança incluem o Plano de Ação de Emergência (PAE). PAE é um documento que faz parte do plano de segurança de barragens e é elaborado pelos empreendedores responsáveis pelas barragens. A sua finalidade é identificar e classificar situações que possam colocar em risco a integridade de uma barragem e estabelecer ações a serem adotadas em caso de emergência ou acidente e desencadear o fluxo de comunicações com os diversos agentes envolvidos, visando minimizar danos.
A realização do PAE, almeja atender a Lei Federal nº 12.334 de 20 de setembro de 2010, alterada pela Lei Federal n° 14.066 datada de 30 de setembro de 2020 e a Resolução Normativa da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) nº 1.064, datada de 02 de maio de 2023. Essa resolução no que tange os cenários o Estudo de Ruptura Hipotética de Barragem recomenda a utilizada do pior cenário identificado, considerando a análise da inundação incremental em relação a cheia de projeto ou em dia seco, conforme apresentado a seguir.
Tendo em vista o exposto, o objetivo do artigo configura-se em uma discussão acerca da influência da cheia natural na escolha do pior cenário de ruptura da barragem.
A barragem em análise destina-se ao armazenamento de água para geração de energia elétrica, possuindo uma capacidade máxima instalada de 4,20 MW, o que a classifica como uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH).
A barragem é de soleira vertente e foi construída em pedras basálticas argamassadas sobre rocha sã, possui comprimento de 200 metros e altura máxima de 5 m a partir de sua fundação. Na margem direita do barramento, se encontra a escada de peixes, enquanto em sua margem esquerda, localiza-se a tomada d’água do barramento e possuí um canal de adução com aproximadamente 250 m de extensão, 11 m de largura média e 4,5 m de profundidade média com destino a geração.
Ao longo do canal de adução, existem dois vertedouros laterais do tipo soleira livre. Ao final do canal de adução está localizada a câmara de carga, onde existe um conjunto de 7 comportas. Já ao final da câmara de carga, estão localizadas as comportas de adução dos condutos forçados que alimentam as unidades geradoras, sendo que cada unidade geradora possui uma comporta. A casa de força da barragem está situada na margem esquerda do curso d’água e conta com 7 unidades geradoras tipo Francis.
O reservatório da barragem possui 60.180 m³ de volume de água armazenado no nível da crista da barragem de soleira vertente. Salienta-se que a barragem é a fio d’água.
A bacia hidrográfica desse empreendimento possui 5.042 km² de área de drenagem e vazões de cheias apresentadas na Tabela 1.
Os parâmetros de formação de brechas em barragens dependem da tipologia da estrutura e os materiais utilizados para sua construção. Esse empreendimento é uma barragem construída em pedras basálticas argamassadas sobre rocha sã do tipo gravidade. Fontes como Eletrobrás (2003) trazem os parâmetros típicos para a brecha em barragens deste tipo, como sua geometria e tempo de formação.
Quanto à geometria da brecha, estudos sugerem que seu formato geralmente é retangular, com taludes verticais e que o seu comprimento é de, no máximo, metade do comprimento total da estrutura. Na vertical, a brecha pode englobar toda a altura da barragem, da cota da crista à cota da sua base.
Barragens com estas características, possuem tempo de formação de brecha bastante reduzido, chegando às suas dimensões finais entre 6 e 18 minutos após o início do evento de ruptura.
A Tabela 2 apresenta os parâmetros para brechas de acordo com o manual da Eletrobrás (2003).
Quanto ao volume escoado, uma vez que o empreendimento é de armazenamento de água, considerou-se que todo volume armazenado no reservatório no momento de sua ruptura será escoado para jusante.
A fim de determinar o hidrograma resultante da ruptura da barragem foi utilizado o software HEC-HMS 3.5, inserindo como dados de entrada, a curva cota-volume do reservatório e os parâmetros da brecha adotados conforme recomendações da Eletrobras.
Para a propagação de cheias de ruptura (tempo x espaço) e consequente definição de áreas potencialmente inundáveis, utilizou-se o software HEC-RAS (River Analysis System), em sua versão 6.3.1, desenvolvido pelo HEC-USACE (Hydrologic Engineering Center – U. S. Army Corps of Engineers), o qual efetua cálculos de progressão bidimensional do escoamento. Sendo assim, esse software é capaz de determinar as elevações de nível de água e descarga em locais específicos ao longo de um curso de água, baseado na solução das equações de Saint-Venant (SWE-ELM) e modelo de turbulência Non-Conservative.
Como dados básicos para o funcionamento do modelo, foi considerada a base topográfica, assim como as características de rugosidade da região, que foram sintetizadas no Coeficiente de Rugosidade de Manning (n) e o hidrograma de ruptura calculado.
Para simular a propagação da onda de ruptura adotou-se uma malha geral composta por células de 10 metros e linha de refino na calha do rio para proporcional células perpendiculares ao escoamento e intervalo de tempo computacional adaptativo baseado no número de Courant.
A área a jusante da barragem caracteriza-se, em sua maior parte, por áreas antropizadas, campos e vegetação densa. Assim, adotou-se os valores de coeficiente de Manning indicados por Chow (1959) apresentados na Tabela 4.
O Modelo Digital de Elevação foi elaborado com base em seções batimétricas levantadas no rio onde o empreendimento está implantado, integradas com as planícies da base topográfica da Emplasa (2011). A Figura 1 apresenta o MDE em parte da região modelada.
Por se tratar de uma barragem com soleira vertente em toda a sua extensão, a mobilização do volume do reservatório para formação do hidrograma de ruptura dá-se na porção localização abaixo da crista barragem vertente, sendo que o volume acima dessa já está sendo escoado para jusante no momento da ruptura para os cenários de cheia. Dessa forma, considerou-se para todos os cenários analisados no HEC-RAS o mesmo hidrograma de ruptura obtido no HEC-HMS, considerando também de forma conservadora os mesmos parâmetros de brecha em todos os cenários, independente da magnitude e probabilidade do evento de cheia natural.
Os cenários considerados foram as vazões de cheias naturais de 2 (dia seco), 5, 10, 50, 100 e
10.000 anos, considerando simulações com e sem ruptura – de tal forma a avaliar o atingimento incremental que o rompimento hipotético da barragem ocasiona.
De acordo com a Resolução Normativa ANEEL n° 1.064/2023º, a área de abrangência dos estudos de ruptura hipotética de barragem deve se estender até o amortecimento da cheia associada ou até o reservatório da usina hidrelétrica imediatamente a jusante, o que ocorrer primeiro.
Uma vez que não há reservatório de usina hidrelétrica a jusante desse empreendimento, o critério de parada da modelagem hidráulica em cada cenário foi definido pela seção transversal onde a envoltória de inundação da ruptura atinge a sobre-elevação de 0,31m (1 pé) em relação a cheia natural, independente da barragem, sendo essa recomendação definido pela FEMA (2013)
Após definir todos os parâmetros para a ruptura, com o auxílio do software HEC-HMS 3.5, obteve-se o hidrograma de ruptura da estrutura. A Figura 2 apresenta a variação da vazão defluente ao reservatório, do volume e da elevação, com o tempo, sendo que o valor máximo do hidrograma de ruptura foi de 223,80 m³/s.
A Tabela 5 apresenta a comparação entre as vazões de cheias naturais em relação a vazão de pico, onde observa-se que a vazão decamilenar é quase seis vezes maior que a vazão máxima do hidrograma de ruptura, sendo essa inferior também a vazão de dois anos de recorrência. Por fim, salienta-se que as vazões naturais foram simuladas em regime constante, visto que o tempo de propagação do hidrograma de ruptura é muito inferior ao tempo de concentração da bacia hidrográfica desse empreendimento, considerando assim que a propagação do rompimento se dará em uma faixa de tempo em que não ocorre mudanças significativas nas vazões defluente da barragem.
Observou-se que os cenários hidrológicos de 100 e 10,000 anos resultaram em significativa atenuação do hidrograma de ruptura devido à maior propagação da inundação, levando ao cumprimento do critério de parada em regiões próximas ao empreendimento. Isso não causou impacto incremental em relação à passagem das respectivas cheias naturais sem ruptura.
As cheias com períodos de retorno de 2, 5 e 10 anos apresentaram extensões de modelagem maiores devido ao tempo mais prolongado necessário para alcançar o critério de parada, uma vez que a maior parte do fluxo permanece concentrada no leito do rio. No entanto, não foram observados impactos exclusivos desses cenários que não estivessem presentes no cenário de 50 anos.
Entre as cheias modeladas, a passagem da cheia de 50 anos gerou o maior impacto incremental em comparação com as outras cheias simuladas, sendo considerada, assim, o cenário mais crítico para este empreendimento. A Figura 3 ilustra as envoltórias das cheias naturais com a propagação do hidrograma de ruptura limitadas pelos respectivos critérios de parada alcançados, assim como as edificações atingidas.
O objetivo deste estudo foi identificar o pior cenário de ruptura de barragem conforme a Resolução Normativa ANEEL nº 1.064/2023, considerando o incremento de ruptura do estudo hidrológico para o dimensionamento do vertedouro e em dia seco. No entanto, constatou-se que esses eventos de cheias naturais não representaram os piores cenários identificados, uma vez que cheias intermediárias resultaram em maior extensão ou abrangência da inundação, com impactos mais significativos. Assim, para este caso específico, a cheia com retorno de 50 anos, combinada com o hidrograma de ruptura, foi identificada como o cenário de ruptura mais crítico para este empreendimento. Por fim, abaixo são apresentadas algumas considerações e recomendações desse estudo:
À HIDROBR pelo suporte e colaboração nesse estudo.
ANA – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico. Manual do Empreendedor sobre Segurança de Barragens: Volume IV – Guia de Orientação e Formulários do Plano de Ação de Emergência – PAE. Brasília, DF. 2016.
CHOW, V.T. Open Channel Hydraulics. McGraw-Hill Book Company, New York. 1959.
ELETROBRÁS CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S.A. Critérios de Projeto Civil de Usinas Hidrelétricas. Rio de Janeiro, 2003.
EMPLASA – EMPRESA PAULISTA DE PLANEJAMENTO METROPOLITANO. Modelo Digital
de Superfície (MDS). Infraestrutura de Dados Espaciais do estado de São Paulo. 2011. Disponível em:
<http://www.metadados.idesp.sp.gov.br/catalogo/srv/por/catalog.search?node=srv#/metadata/a3f7a bc5-d134-43e9-a71f-3e21128d873b>. Acesso em: 04/2023.
FEDERAL EMERGENCY MANAGEMENT AGENCY (FEMA). Federal Guidelines for Inundation Mapping of Flood Risks Associated with Dam Incidents and Failures. First Edition, P-946. 2013.
USACE HYDROLOGIC ENGINEERING CENTER. HEC-RAS Hydraulic Reference Manual. 2023. Disponível em: <https://www.hec.usace.army.mil/confluence/rasdocs/ras1dtechref/latest>. Acesso em: 05/2023.
HIDROBR / UFPR – Wesley Leonel de Souza – (31) 3504-2733 (wesley.souza@hidrobr.com)
HIDROBR – Breno Rimulo – (31) 3504-2733 (breno.rimulo@hidrobr.com)
HIDROBR – Stella Braga de Andrade – (31) 3504-2733 (stella.andrade@hidrobr.com)
HIDROBR – Lorenzo Oliveira – (31) 3504-2733 (lorenzo.oliveira@hidrobr.com)
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